sábado, 28 de março de 2009

fim de tarde

Almargem, Quarteira
«A noite mete-me medo, o dia também. Mas o que realmente me atemoriza são os fins de tarde porque ao fim da tarde tu nunca sabes bem para onde irá toda aquela luz. E quando olhas para o céu pensas: nesta cor está claro que este branco se vai dissipar num cinzento que se vai apagar num breu que eu nem quero saber. E as mudanças são tantas que basta passar-me uma nuvem por cima da cabeça ao meio-dia para temer já o fim do horário do expediente do sol. É como se todo o dia fosse uma antecipação de sombra, como se a aurora já trouxesse olheiras.»
«O tempo de quem chega ao fim da tarde», in luto lento, de João Negreiros

quinta-feira, 26 de março de 2009

"grandes livros"

grandes livros"Contar a história dos livros promove ou afasta os leitores?"

A RTP 2 estreia amanhã, dia 27 de Março, às 21h10, uma série de documentários intitulada Grandes Livros, produzida pela Companhia de Ideias. Esta série conta com 12 documentários, de 50 minutos cada, que incluem excertos das obras e dos enredos das vidas dos autores, em estilo biográfico e histórico. Narrados por Diogo Infante, cada episódio contará ainda com a participação dos principais especialistas na obra e/ou no autor em análise.

Os Maias, de Eça de Queiroz; Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto; O Delfim, de José Cardoso Pires; Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco; Os Lusíadas, de Luís de Camões; Sermão de Santo António aos Peixes, de Padre António Vieira; Aparição, de Vergílio Ferreira; Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa; Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio; Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett; Sinais de Fogo, de Jorge de Sena e Navegações, de Sophia de Mello Breyner são os doze grandes livros que irão ser abordados.

sexta-feira, 20 de março de 2009

«Os Saltimbancos»

Com certeza que quase todos vocês devem conhecer o famoso conto Os Músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm.

«Cansado da exploração e maus-tratos do patrão, um jumento abandona a fazenda em que trabalhava, em busca de melhores condições de vida.
No caminho para a cidade, encontra um cachorro e uma galinha que fogem pelo mesmo motivo. Junta-se a eles uma gata, expulsa de casa por passar a noite a cantar. Unidos, decidem formar um conjunto musical, criando belas canções

Pois é, foi inspirado nesta fábula que "Chico Buarque criou um texto e canções que nos transportam à magia suprema do espectáculo e ao que a vida tem de encanto."
O espectáculo estará em cena, nos próximos dias 27 e 28 de Março, pelas 21h30, no Teatro das Figuras, em Faro, assinalando desta forma o Dia Mundial do Teatro.

domingo, 15 de março de 2009

«A Perfeição»

A Perfeição ilustração: Anoni Moss

«Sete anos, sete imensos anos, iam passados desde que o raio fulgente de Júpiter fendera a sua nave de alta proa vermelha, e ele, agarrado ao mastro e à carena, trambolhara na braveza mugidora das espumas sombrias, durante nove dias, durante nove noites, até que boiara em águas mais calmas, e tocara as areias daquela ilha onde Calipso, a deusa radiosa, o recolhera e o amara!
[…]
Ulisses recuou, com um brado magnífico:
- Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!
E, através da vaga, fugiu, trepou sofregamente à jangada, soltou a vela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias – para a delícia das coisas imperfeitas!»
«A Perfeição», in Contos, de Eça de Queirós

segunda-feira, 9 de março de 2009

“Há momentos em que me sinto tão só”

De Lobo Antunes apenas tinha lido algumas crónicas, até ao momento que chegou até mim O Arquipélago da Insónia. Obrigada, a ti.
Devo dizer que este livro não foi de fácil leitura. Houve até certas partes da história em que me senti mesmo perdida. E o facto de não conhecer a escrita do autor pode ter ajudado ou não na leitura!

“- Daqui a nada é manhã
e não será manhã nunca.”


O Arquipélago da Insónia, de António Lobo AntunesO Arquipélago da Insónia é um livro que parece estar cheio de nada e no entanto conta-nos uma história. A história de três gerações de uma família que vive algures no Ribatejo, onde o rio desagua na Trafaria.
Temos o avô, que trata o filho por “Idiota”; a avó, que mata os coelhos com uma paulada no cachaço e logo a seguir afaga-lhes o pêlo; o filho, que provavelmente é mesmo um “Idiota”, pois é casado com uma ex-empregada da casa e deixa que o pai a possua e por fim temos os dois netos, sendo um deles autista e filho do ajudante de feitor. O Jaime, que diz não chamar-se Jaime.
Na história, encontramos ainda, o feitor; a prima Hortelinda, que já está morta e a Maria Adelaide, que é casada com o irmão do autista. Este por sua vez, nutre uma paixão por ela.

Nas duas primeiras partes da história, quem nos dá a conhecer a família é o autista. E talvez por isso a sensação de nos sentirmos perdidos na leitura.
Encontramos uma sucessão de histórias e acontecimentos em frases e palavras soltas e não encontramos um sentido. Tudo vai passando pela mente do personagem a grande velocidade e o leitor perde o norte.
Na terceira parte, a história da família é contada pelos outros personagens e o leitor dá por si a encontrar o sentido das coisas. Talvez até seja o encontrar da lucidez.

É "o arquipélago da insónia", onde cada um dos personagens são ilhas e que, apesar do seu elo de pertença, deambulam sozinhas. Caminham solitariamente, despertas pela noite e pela morte que estão sempre presentes.

terça-feira, 3 de março de 2009

Firmin, o rato literato

Firmin, Sam SavageFirmin, de Sam Savage é um livro brilhante!
O autor, na sua extraordinária fábula, fala-nos sobre Firmin, um rato que nasceu numa cave da Pembroke Books, uma livraria de Boston, e que aprendeu a ler devorando as páginas de livros.

Os meus repastos começaram por ser primitivos, orgíacos, desinformados – uma dose de Faulkner era para mim o mesmo que uma dose de Flaubert -, mas depressa detectei diferenças subtis. Primeiro reparei que cada livro tem o seu sabor – doce, amargo, agridoce, rançoso, salgado, picante.

Ao ler estas palavras, um leitor apaixonado até sente um murro no estômago, mas é impossível não continuar a ler as palavras seguintes:

De início eu limitava-me a comer, roendo e mastigando alegremente, guiado pelos ditames do paladar. Mas depressa comecei a ler aqui e ali os contornos das minhas refeições. E com o tempo passei a ler mais e a comer menos até dar por mim a gastar todas as minhas horas de vigília a ler, mastigando apenas as margens brancas.

E não se apaixonar por Firmin. O último dos treze filhos de Mama: Sweeny, Chucky, Luweena, Feenie, Mutt, Peewee (por quem Firmin quase cometeu incesto), Shunt, Pudding, Elvis, Elvina, Humphrey, Honeychild e Firmin, o último dos últimos, que tinha de disputar a última das doze tetas de Mama.

Mais tarde, Firmin acaba por ficar sozinho na livraria e muda-se da cave para “um cantinho no tecto por cima da loja, a meio caminho entre o Balão e a Varanda, que [lhe] permitia ir observando o que se passava, mas não descur[ando] a [sua] educação na cave, onde devorava livro atrás de livro, embora já não literalmente.” Ufa, ainda bem!

Ao longo das páginas, Firmin dá a conhecer ao leitor, os livros por onde viaja e brinca com ele, causando-lhe uma certa inveja. É também através de Firmin que conhecemos Norman, o dono da livraria e “O PRIMEIRO SER HUMANO QUE F. AMOU”, até ao dia em que Norman o vê e deixa-lhe um presente. Firmin quando lê o pacote do que tinha ingerido quase morreu, mas de desgosto! “Veneno para Ratos” ou “Um Amor Traído”… Era o desmoronar e era altura de virar a página…

Ainda arriscou comunicar com Norman, tentando aprender a escrever à máquina e até com mímica, mas foi tudo em vão. É salvo pelo escritor Jerry Magoon, «o homem mais inteligente do mundo», que o leva para casa. Com Magoon, Firmin tem uma relação de compreensão e afecto. Aproveita para ler todos os livros das prateleiras do escritor e quando cansado, sai pelos canos e percorre as ruas da cidade. Um dia… Tudo desaparece.

São 154 páginas recheadas de humor, tristeza, genialidade, sonhos e muito mais. Em algumas páginas ainda somos presenteados com ilustrações tão bonitas como a da capa.

domingo, 1 de março de 2009

a fronteira

Roma: jardins do Foro Romano
"Existimos por nós mesmos, talvez, e por vezes até conseguimos ter um vislumbre de quem somos, mas no fim nunca podemos ter a certeza, e conforme as nossas vidas continuam, tornamo-nos cada vez mais opacos para nós próprios, cada vez mais conscientes da nossa própria incoerência. Ninguém consegue atravessar a fronteira para entrar dentro de outra pessoa – pela simples razão que ninguém tem acesso a si mesmo."
«O Quarto Fechado», in A Trilogia de Nova Iorque, de Paul Asuter

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